quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Tudo Começou com Maquiavel. Luciano Gruppi. «Maquiavel retoma aqui um tema que já foi de Aristóteles: a política é a arte do possível, é a arte da realidade que pode ser efectivada»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Concepção do Estado em Marx e Engels
«(…) Dessa forma, Maquiavel retoma aqui um tema que já foi de Aristóteles: a política é a arte do possível, é a arte da realidade que pode ser efectivada, a qual leva em conta como as coisas estão e não como elas deveriam estar. Existe aqui uma distinção nítida entre política e moral, pois esta última é que se ocupa do que deveria ser. A política leva em consideração uma natureza dos homens que, para Maquiavel, é imutável: assim a história teria altos e baixos, mas seria sempre a mesma, da mesma forma que a técnica da política (o que não corresponde à verdade). Maquiavel afirma: há uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coisas, sermos amados e temidos; mas, como é difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais seguro sermos temidos do que amados... pois dos homens, em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto fizer o bem para eles, são todos teus, oferecem-te o seu próprio sangue, as suas posses, as suas vidas, os seus filhos. Isso tudo até ao momento que não tem necessidade. Mas, quando precisar, eles viram as costas.
E o príncipe que esperar gratidão por ter sido bondoso com os seus súbditos, pelo contrário, será derrotado: os homens têm menos escrúpulo de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de uma vinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem; mas o temor é mantido por um medo de castigo que não nos abandona nunca. Por conseguinte, deve-se estabelecer o terror; o poder do Estado, o Estado moderno, funda-se no terror. Com isso, Maquiavel contradiz profundamente o que ele próprio havia escrito nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio: isto é, que o poder baseia-se na democracia, no consentimento do povo, entendendo-se como povo a burguesia do seu tempo. Mas agora Maquiavel pensa na construção de um Estado unitário e moderno, portanto do Estado absoluto, e descreve o que será o processo real da formação dos Estados unitários. Maquiavel não se ocupa de moral, ele trata da política e estuda as leis específicas da política, começa a fundamentar a ciência política. Na verdade, como observou Hegel e, posteriormente, fizeram-no De Sanctis e Gramsci, Maquiavel funda uma nova moral que é a do cidadão, do homem que constrói o Estado; uma moral imanente, mundana, que vive no relacionamento entre os homens. Não é mais a moral da alma individual, que deveria apresentar-se ao julgamento divino formosa e limpa.

Jean Bodin (1530-1596)
Maquiavel fornece-nos uma teoria realista, é o primeiro que considera a política de maneira científica, crítica e experimental. Porém ele não fornece uma teoria do Estado moderno, mas sim de como se constrói um Estado. Uma reflexão sobre o que é o Estado moderno aparece mais tarde na França, com Jean Bodin (ou Bodinus, à latina). Nos seus seis tomos Sobre a República (1576), Bodin polemizou contra Maquiavel. Gramsci afirma que Maquiavel pretendia construir um Estado, projectá-lo, enquanto Bodin teorizava um Estado unitário que já existia, o da França; por conseguinte, ele colocava principalmente o problema do consenso, da hegemonia. Bodin, pela primeira vez, começa a teorizar a autonomia e soberania do Estado moderno, o sentido que o monarca interpreta as leis divinas, obedece a elas, mas de forma autónoma. Ele não precisa receber pelo papa a investidura do seu poder. O Estado é constituído essencialmente pelo poder: nem o território, nem o povo definem o Estado tanto quanto o poder. Bodin afirma: é a soberania o verdadeiro alicerce, a pedra angular de toda a estrutura do Estado, da qual dependem os magistrados, as leis, as ordenações; essa soberania é a única ligação que transforma num único corpo perfeito (o Estado) as famílias, os indivíduos, os grupos separados. O Estado, para Bodin, é poder absoluto, é a coesão de todos os elementos da sociedade». In Luciano Gruppi, Tudo Começou com Maquiavel, L&PM Editores, 1980, ISBN 978-852-540-500-5.

Cortesia de L&PME/JDACT