quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Bonuns Rex ou Rex Inutilis. As Periferias e o Centro. Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248). José Varandas. «O primeiro documento onde dona Urraca figura como mulher de Afonso II é de Fevereiro de 1209. Como o último instrumento régio, sem aparecer referência à rainha é de Novembro de 1228…»

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Sancho II de Portugal. Alexandre Herculano (1847)
«(…) Com a morte de Afonso II, Herculano introduz uma questão no seio das preocupações da historiografia portuguesa: a menoridade de Sancho II. Este tema já tinha sido apontado por António Brandão, embora com incorrecções no que diz respeito a datas. Herculano retoma-o, de forma crítica, construindo sobre a idade insuficiente do rei a ideia de que aí estava o início de alguns dos problemas que diminuíram a governação de Sancho, em especial aqueles que foram condicionados pela personalidade, vista como inconstante, do monarca. Com efeito, é com Alexandre Herculano, que esta questão ganha substância e assume personalidade própria na historiografia portuguesa. Torna-se numa questão fundamental e incontornável na abordagem ao estudo deste reinado pela historiografia portuguesa posterior a este autor. Quer seguindo-lhe linearmente as interpretações, quer intervindo criticamente sobre as suas afirmações menos consistentes, ninguém mais se eximiu, ao falar deste reinado, a colocar a questão da menoridade de Sancho.
A maioria dos autores que precederam Alexandre Herculano mostram-se incertos quanto à idade com que Sancho II herda a coroa, embora na generalidade atribuam ao novo monarca a idade de vinte e três anos. Herculano reconsidera a data precisa do nascimento do príncipe, afirmando que nunca poderia ter antecedido os meses finais do ano de 1209 e que certamente as datas dos documentos teriam sido mal lidas, pois considera erradas as leituras de fr. António Brandão, em especial a contida no instrumento de doação de dona Estevaínha Soares ao mosteiro de Tarouca, onde teria sido lida a data de 1241, em vez da era de 1251 (1213), lida por Viterbo. Alexandre Herculano considera verosímil este casamento para o final de 1208 ou princípio de 1209, indicando que o nome da rainha dona Urraca passa a figurar ao lado do marido e do sogro, pelo menos a partir de Fevereiro de 1209. Recorda, na sua nota XIV, uma passagem de Espada Sagrada, onde se refere que uma das causas directas que provocaram o conflito entre Sancho I e o bispo do Porto, Martinho Rodrigues, teria sido a maneira como o prelado portuense teria tratado os noivos ao entrarem naquela cidade. A utilização crítica de diversos documentos permite precisar melhor a idade do rei. Considera determinante o facto de na famosa composição com as tias a dizer que o príncipe ainda não tinha atingido os catorze anos de idade; ou as expressões papais contidas na bula Grandi non immerito que se referem ao infante como tendo herdado a coroa paterna na idade da puerícia (período da vida compreendido entre a infância e a adolescência).
Posteriormente, a publicação sistemática da documentação de Sancho I vem balizar com precisão a data daquele casamento, confirmando a opinião de Herculano. O primeiro documento onde dona Urraca figura como mulher de Afonso II é de Fevereiro de 1209. Como o último instrumento régio, sem aparecer referência à rainha é de Novembro de 1228, o casamento terá ocorrido entre aquelas duas datas. A menoridade de Sancho serve de pretexto a Alexandre Herculano para acrescentar uma nova dimensão às tensões existentes entre os partidários do modelo centralizador e os seus opositores. A clarividência de Afonso II ao prever o seu desaparecimento precoce, já que era provável que tivesse consciência de que a morte se aproximava, também admitia que todo o seu labor em prol do fortalecimento do poder régio poderia ser posto em causa pela transmissão do poder para as mãos de uma criança. Os testamentos do rei definem claramente que o príncipe herdeiro, caso seja menor, deve ser aconselhado pelos seus validos, homens de confiança e a regência confiada a dona Urraca. No último testamento, posterior à morte da rainha, determina que essa regência passe aos ricos-homens que exerciam os mais altos cargos do estado que passarão a reger
os destinos do reino em nome do príncipe». In José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval, 2003.

Cortesia da FLUP/JDACT