sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Pantaleão e as Visitadoras. Mario Vargas Llosa. «E desmoralização, nervosismo, apatia. Precisamos dar de comer a esses famintos, Pantoja, olha solene nos seus olhos o Tigre Collazos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Se a generala ouvisse isto, diverte-se o general Victoria, ai das suas garras, Tigre. A princípio pensamos que era a alimentação, bate na barriga o general Collazos. Que nos quartéis se usava muito tempero, coisas que aumentam o apetite sexual das pessoas. Consultamos especialistas, até um suíço que custou os olhos da cara, esfrega dois dedos o coronel López López. Um nutricionista cheio de títulos. Pas d’inconvénient, anota numa caderneta o professor Bernard Lahoé. Vamos planejar uma alimentação que, sem reduzir as proteínas necessárias, enfraqueça a libido dos soldados em 85%. Não vá exagerar, murmura o Tigre Collazos. Também não queremos uma tropa de eunucos, doutor. Horcones chamando Iquitos, Horcones chamando Iquitos, parece impaciente o alferes Santana. Sim, muito grave, extremamente urgente. Não obtivemos os resultados previstos com a operação Rancho Suíço. Os meus homens estão morrendo de fome, ficando tuberculosos. Hoje desmaiaram mais dois na revista, comandante. Não é brincadeira, Scavino, segura o telefone entre a orelha e o ombro enquanto acende um cigarro o Tigre Collazos. Procuramos até cansar, e esta é a única solução. Vou-lhe mandar o Pantojita com a mãe e a mulher. Faça bom proveito. Pochita e eu já nos acostumamos com a ideia e estamos felizes de ir para Iquitos, dobra lenços, arruma saias, embrulha sapatos a senhora Leonor. Mas continua de crista caída. O que é isso, filhinho. O senhor é o homem certo, Pantoja, fica em pé o coronel López López e segura-o pelos braços. Vai acabar com essa dor de cabeça. Apesar de tudo é uma cidade, Panta, e parece que linda, joga panos no lixo, dá nós, fecha bolsas Pochita. Não faça essa cara, seria pior ir para a puna, não é mesmo? Na verdade, coronel, não tenho ideia como, engole saliva o capitão Pantoja. Mas farei o que me ordenarem, naturalmente. Por enquanto, vá para a selva, pega um ponteiro e indica um lugar no mapa o coronel López López. O seu centro de operações será Iquitos. Vamos chegar à raiz do problema e liquidá-lo na sua origem, bate o punho na mão aberta o general Victoria. Porque, como já deve ter adivinhado, Pantoja, o problema não é só das senhoras atacadas. Também é dos recrutas condenados a viver como castos pombinhos naquele calor pecaminoso, estala a língua o Tigre Collazos. Servir na selva é duro, Pantoja, muito duro. Nos povoados amazónicos todas as saias têm dono, gesticula o coronel López López. Não há bordéis nem garotas de acompanhamento, nem nada parecido. Passam a semana inteira isolados, cumprindo missões no mato, sonhando com o dia de folga, imagina o general Victoria. Caminham quilómetros até ao povoado mais próximo. E o que acontece quando chegam? Nada, pela maldita falta de fêmeas, encolhe os ombros o Tigre Collazos. Então, os que não batem pun… perdem o juízo e no primeiro copinho de aguardente jogam-se feitos pumas no que estiver à sua frente. Houve casos absurdos e até de bestialismo, precisa o coronel López López. Imagine que um cabo de Horcones foi surpreendido tendo vida marital com uma macaca. A símia responde pelo absurdo apelido de Chupa-chupa da Quinta Esquadra, prende a risada o alferes Santana. Ou melhor, respondia, porque a matei com um tiro. O degenerado está no calabouço, coronel. Enfim, a abstinência traz-nos uma corrupção dos diabos, diz o general Victoria. E desmoralização, nervosismo, apatia. Precisamos dar de comer a esses famintos, Pantoja, olha solene nos seus olhos o Tigre Collazos. É aí que o senhor entra, aí é que vai aplicar o seu cérebro organizador. Por que está tão aturdido e tão quietinho, Panta?, guarda a passagem na bolsa, pergunta: onde é a saída para o avião? Pochita. Vamos ter um grande rio, podemos tomar banho, visitar as tribos. Anime-se, bobinho. O que houve que está tão esquisito, filhinho, observa as nuvens, as hélices, as árvores a senhora Leonor. Não abriu a boca em toda a viagem. Por que está tão preocupado? Não é nada, mãe, nada, Pochita, aperta o cinto de segurança Panta. Estou bem, não é nada. Olhem, já estamos chegando. Este deve ser o rio Amazonas, não é?» In Mario Vargas Llosa, Pantaleão e as Visitadoras, 1974, Editora Objectiva, tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman, Alfaguara, Prisa Edições, ePub, 2012, ISBN 978-857-962-175-8.

Cortesia de Alfaguara/JDACT