domingo, 21 de janeiro de 2018

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Não tardes, hora! Evita que este dia funeste, recordando antigas penas, costume inveterado de agonia»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Enquanto Plério Tocava Flauta
Do teimoso desgosto a mão nefanda,
Que o coração me estava comprimindo,
Com susto se desvia, e vai fugindo
Ao Báratro, após Mégera execranda.

Nascei, versos, ao som da flauta branda,
Recreai as Deidades lá do Pindo,
Vá-se o canto sublime, vá-se abrindo,
Que Délio, o mesmo sacro Délio o manda.

A Camena altas músicas descante,
Com a cítara aspergida de ambrosia,
Em honra de Piério hinos levante.

Ó Paz, filha de Apolo e de Harmonia,
Descansa no meu peito um doce instante,
Roubemo-lo ao domínio da agonia!»

Quando assentaram praça o marquês de Fronteira, e seu irmão Carlos Mascarenhas, netos da autora
«Junto às aras de Numes fabulosos
Os mancebos de Atenas se juntavam,
E pela Pátria e Fé ali juravam
Dar a vida em combates sanguinosos.

Fiéis aos juramentos, animosos,
As mais tremendas lides arrostavam,
E ou de louros eternos se coroavam,
Ou seguiam os Manes tenebrosos.

Juraste. Vê perante quem juraste!
Vê com que acções os teus te precederam,
E o que impõe a carreira que abraçaste!

Os teus e os meus, que o Reino defenderam,
Querem de ti que proves quanto baste,
Que desta raça só heróis nasceram».

Por ocasião de partirem dois moços para a guerra
«Para mim nasce o Sol sem claridade;
Envolve-me em tal susto o meu cuidado,
Que nele o pensamento concentrado
Me encobre quanto é menos que saudade.

Embora a Pátria, a honra, a heroicidade
Exija o que poupou meu triste Fado,
Não vacilo: duas vítimas ao Estado
Oferta, voluntária, a lealdade.

Mas que dor, que tormentos e agonia
Mas arranca do peito com um suspiro,
Que desculpe a materna simpatia!

Neste aperto aflitivo, se respiro,
Não vivo já; pois morro cada dia,
De morrer acabando, quando expiro».

Achando-se a autora doente, em perigo de vida
«Este ser, que me deu a Natureza,
Vai desorganizando a enfermidade;
Sinto apagar da vida a claridade,
Doma as corpóreas forças a fraqueza.

Vai crescendo em minha alma a fortaleza,
Quanto cresce do mal a intensidade;
As portas áureas me abre a Eternidade,
E lá cessam cuidados e tristeza.

Vou amar quem somente é sempre amável,
Em oxigéneas luzes abrasar-me,
Nunca errar, nem temer gente implacável.

Vou nos jardins celestes recrear-me,
E no seio de um Deus justo, adorável,
A tudo o que me falta associar-me».

No dia 24 de Julho de 1834, estando muito doente
«Adeus, Sol, de outro Sol imagem bela!
Para mim vão teus raios apagar-se;
Vai minha alma ansiosa colocar-se
Onde não há receios, nem cautela.

Em doce paz, sem susto de perdê-la,
Há de enfim ao Supremo Bem ligar-se;
E da maior delícia irá fartar-se,
Transmigrando feliz de estrela a estrela.

Não tardes, hora! Evita que este dia
Funeste, recordando antigas penas,
Costume inveterado de agonia.

Não me apresentes mais glórias terrenas,
Sem que as possa gozar; é tirania,
Pois de Tântalo à sede me condenas».

Em resposta a Jónio
«Tempera noutro som essa áurea lira;
Não crê Alcipe que te causa espanto.
O seu plectro, banhado há muito em pranto,
Destoa, geme, queixa-se, delira.

Ela assusta-se quando alguém a admira;
Com a luz da Razão destrói o encanto,
Pois do Fado o rigor tem sido tanto,
Que, se canta, conhece que suspira.

O fogo com que Délio resplandece
Só é dado a quem tem contentamento;
Cercado de pesares, esmorece.

A Ventura é quem dá ao verso alento;
Sem ela o génio pasma, desfalece,
Cala-se a Musa, encurta o pensamento.


Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
Não é de ingrata filha o dó pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.

Admiro dos teus danos o decoro.
Bebeu Sócrates firme o seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.

Mais que a vitória vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vês, sem percebê-lo.

Povos! A independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vê-lo:
Ruína sim, mas servidão jamais!»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre
1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’


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