domingo, 11 de março de 2018

Arez da Idade Média à Idade Moderna. Ana Santos Leitão. «Nunca o articulado servir a Ordem é servir a Monarquia e vice versa esteve tão vivo. Reconhecendo as possibilidades que uma instituição de perfil religioso»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Ordem de Cristo
«(…) Em 1490, dando resposta a um pedido do administrador da Ordem de Cristo, o papa Inocêncio VIII concedia-lhe o direito de ter conservatória, para registo de todos os actos do foro jurisdicional, e de instituir dois juízes conservadores, que actuassem em defesa da milícia e lhe fizessem guardar os seus privilégios. A assinatura do Tratado de Tordesilhas, a 7 de Junho de 1494, que garantia a Portugal a navegabilidade do Atlântico, do Brasil à India, exigia um poder soberano reconhecido e absoluto. Uma autoridade régia que sairia notoriamente fortalecida pela instrumentalização da Ordem de Cristo. Uma utilização legitimada pelas circunstâncias da sua fundação e pelo percurso empreendido, tanto mais que, pela mão do infante Henrique, protagonizara o projecto dinástico da expansão e dos descobrimentos portugueses. João II permitira-lhe colaborar no processo de construção de um Estado Moderno, com ele aprendera estratégias políticas e diplomáticas e, sobretudo, compreendera a razão de ser da Ordem de Cristo. Nunca o articulado servir a Ordem é servir a Monarquia e vice versa esteve tão vivo.
Reconhecendo as possibilidades que uma instituição de perfil religioso lhe oferecia, o monarca foi rentabilizando-as, legitimamente, em favor da consolidação do poder régio que devia mostrar-se nobre e generoso, sobretudo para determinados grupos da sociedade, que pretendia, e necessitava, privilegiar. Assim, a apropriação dos rendimentos eclesiásticos da Ordem de Cristo fez-se sentir pelo controlo que exercia sobre o padroado das igrejas afecto a esta instituição, nomeadamente nas novas áreas descobertas, pelo recurso aos rendimentos dos mosteiros e igrejas paroquiais para constituição das comendas, pela utilização dos bens da mesa mestral para concessão de tenças, entre outros. Ao mesmo tempo, apoiando-se nos valores espirituais e ideológicos veiculados pela milícia, projectaria ocupar Jerusalém (entre os anos de 1505 e 1507), recuperando o ideal de Cruzada subjacente à formação destas instituições monástico-militares, numa atitude que, sem dúvida, conferiu à ideologia manuelina o cariz messiânico que a caracterizou. Desde a reformulação dos direitos da Ordem nas áreas concelhias, à elaboração dos regimentos de visitação, à obrigatoriedade de registo em tombos da informação relativa às Comendas, Igrejas e Capelas, até à decisão de se proceder à compilação de todos os documentos relativos à Ordem, é clara a semelhança com alguns projectos régios, nomeadamente a organização dos Forais, a publicação de regimentos, dos oficiais das cidades, vilas e lugares do reino (1504), das Casas da Mina e Índia (1509), dos contadores das comarcas (1514), entre outros, a elaboração de livros de Registo dos bens das capelas, hospitais, albergarias e gafarias do reino e a cópia de diplomas da chancelaria régia nos livros da Leitura Nova. A que acresce as Ordenações Manuelinas.
Um conjunto de concessões pontifícias que se apresenta exemplar relativamente à actuação de Manuel I, rei e administrador da Ordem de Cristo, pois, embora resultantes de circunstâncias políticas determinadas pelo exercício do poder régio, não deixam de ter reflexos na Ordem de Cristo. A apropriação, consentida, de rendimentos da igreja, que não só é feita de forma directa, provenientes da Bula de Cruzada, como também de forma indirecta, pela colocação de protegidos do rei em benefícios eclesiásticos e comendas da Ordem de Cristo, embora abrangente das instituições régia e mestral, contribui em termos finais, para a exaltação e consolidação da primeira. Assim, enquanto que o processo da constituição das comendas novas da Ordem de Cristo, que atingem mais de três centenas, se vai desenvolvendo, entre os anos de 1514-1517, o Livro do Mestrado de Cristo do ano de 1514 regista um acréscimo significativo das tenças pagas em numerário, confirmando o aumento, e a distribuição dos rendimentos desta instituição». In Ana Santos Leitão, Arez da Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado, Edições Colibri, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013, CM de Nisa.

Cortesia de EColibri/JDACT