quinta-feira, 22 de março de 2018

Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174. Manuel S. A. Conde. «A vitória de Ourique, em 1139, e o declínio almorávida, subsequente à morte, em 1143, do emir Ali ben Yusuf e à eclosão de movimentos independentistas»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A actuação eminentemente defensiva dos portugueses no início dos anos 30, deu lugar, por meados da década, a uma estratégia de proto-ofensiva (em trabalho em curso definiremos mais detalhadamente esta estratégia, que decorria do modelo de domínio/ocupação do espaço habitualmente aplicado pelos reconquistadores. Baseando-se a organização social do espaço típica do mundo islâmico na polarização urbana das áreas regionais, começavam os cristãos geralmente por devastar os agros e desarticular os circuitos de abastecimento; consumada a desestruturação económica e a desorganização territorial, construíam fortificações em pontos estratégicos avançados e atacavam os castelos integrantes do sistema defensivo da cidade-alvo, enfraquecendo as defesas da urbe, cujo assédio empreendiam no final), com tentativas de penetração na zona fora do efectivo controlo do inimigo e operações de pilhagem em território muçulmano. Numa dessas acções, um fossado empreendido em 1137, os cristãos sofreram um duro revés, em Tomar. Apesar disso, a estratégia afonsina lograria dotar o território portucalense de fronteiras mais meridionais e mais defensíveis, afastando razoavelmente Coimbra do risco de assédio pelos sarracenos. Em contrapartida, as cidades taganas ficavam mais perto das armas cristãs, tornando-se a sua conquista o objectivo mais imediato dos portugueses. A vitória de Ourique, em 1139, e o declínio almorávida, subsequente à morte, em 1143, do emir Ali ben Yusuf e à eclosão de movimentos independentistas, constitutivos de novas taifas, permitiu a Afonso Henriques fixar definitivamente a fronteira na linha do Tejo.
Conseguiu-o em 1147, após a conquista de Santari; n e al-Us; buna e outras fortificações vizinha. A Estremadura Interior e o Médio Tejo ficariam para sempre inscritas no espaço cristão. Manteriam, porém, a sua condição de terra de fronteira por quase um século mais. Ignora-se quase totalmente o que ocorreu na área tomarense nos anos que se seguiram à sua conquista pelos cristãos, até ocorrerem, em 1159, as primeiras iniciativas da coroa, documentadas, em vista ao seu repovoamento, ou seja, a ocupação, ordenação do espaço e estruturação de poderes locais. Posto que o território, de modo algum, se encontrasse ermado, seriam, sem dúvida, acentuadas as carências demográficas de um espaço deprimido por oito décadas de guerra permanente e pela intolerância de almorávidas e almóadas para com os cristãos moçárabes, economicamente desestruturado, com os proprietários das glebas em fuga e estas abandonadas ao seu destino. Cremos que o processo de colonização desta área geográfica nos anos que se seguiram à conquista decorreu sob a forma de presúria espontânea, de provável origem coimbrã, dado que as circunstâncias de então inibiam o poder régio de administrar o acesso à posse das terras devolutas. A toponímia de reconquista aí presente reteve sobretudo nomes ele povoadores, muitos deles, talvez,
Presores, abrangendo também designações étnicas, quer de imigrantes, Galegos, Francos, quer de muçulmanos remanescentes (os topónimos Castelo de Paio Mendes, Jamprestes, Janafonso, Martim Brás, Paieres, Paio Mendes, Pero Calvo, Peroleiro, Vale Lourenço e ainda Galegos, Galeguia, Francos e Mourolinho; excluimos outros topónimos relacionados com mouros, que supomos dependentes do imaginário popular; note-se que a expressão Galegos abrangia, no século XII, os habitantes da Galécia em sentido lato, isto é, todo o espaço a norte do Rio Douro: também a designação Francos era empregue para referir quaisquer cristãos não peninsulares, de acordo com Francisco Marsá). Em 1159, o castelo e o território de Ceras, incluindo Tomar, foram porém doados pelo rei à Ordem do Templo, de direito hereditário, com vista à sua defesa e povoamento (além dos direitos eclesiásticos da mesma terra, isentos da jurisdição episcopal e sob protecção papal, concedidos em substituição dos de Santarém, que os templários haviam recebido após a conquista da urbe e viriam a ser reclamados pelo bispo de Lisboa). Com tal senhorio, ao qual se juntava, em 1169, o dos castelos de Cardiga e Zêzere, e o de Almourol, reconstruído em 1171, a ordem passava a deter importantes posições estratégicas na margem direita do Tejo, com o controlo de acessos vitais a Coimbra e Santarém. Abandonava-se, assim, o espontaneísmo que caracterizou o repovoamento da área nos anos 50, gerador de uma sociedade fluida, baseada na pequena propriedade vilã e na auto-organização em pequenas comunidades (concelhos rurais)». In Manuel S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.

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