quarta-feira, 4 de abril de 2018

Isabel I. O Anoitecer de um Reinado. Margaret George. «Os Países Baixos foram cruéis consigo, disse. E comigo também. Pensei no quanto aquilo me custara sem que nada fosse resolvido»

Cortesia de wikipedia

Isabel. Maio de 1588
«(…) Pergunto-me quanto tempo foi preciso para se organizarem. Claro, eles continuam esperando que alguém coloque Maria, rainha dos escoceses, no trono, transformando a Inglaterra num país católico sem que tenham de mover um dedo para isso. Temos que agradecer por dar um fim nisso, disse a Walsingham. Ele suavizou um pouco a expressão sombria. Parecia sempre tão sisudo aquele meu mestre da espionagem. Não celebrava nem as vitórias. Ele apenas concordou com a cabeça e declarou: ela acabou com isso. Eu só expus seus planos e mentiras. Hoje a Inglaterra ainda é a maior ameaça ao triunfo da contra-reforma. Roma mudou de rumo e passou a reverter as vitórias protestantes, retomando territórios. No entanto, somos o único país em que a oposição a Roma pode ficar segura, construindo uma carreira e uma vida. Por essa razão, eles precisam eliminar-nos. Tem cunho religioso, mas também político, disse Burghley. E há alguma diferença?, perguntou Leicester. Quanto tempo acha que temos antes de nos atacarem?, perguntei a Walsingham. Quanto tempo temos para nos preparar? Reformamos os faróis e consertamos as fortalezas costeiras durante todo o Inverno, respondeu Burghley. Mas todos sabemos, e podemos falar com franqueza aqui, que não temos castelos que consigam enfrentar o cerco da artilharia espanhola. Provavelmente, aportarão em Kent, vindos da Flandres. Kent é uma região aberta e de fácil travessia. Não temos armas suficientes, e as que temos são muito antigas. E há também muita coisa que não sabemos. E os ingleses católicos? Eles lutarão contra os espanhóis? A quem são fiéis? Por essas razões, meus bons conselheiros, nossa única esperança de vitória está em não permitir que os espanhóis atraquem aqui, repeti. Convoquem Drake, disse Burghley. Onde ele está?, perguntou Leicester. Em Plymouth, disse Walsingham. Mas virá imediatamente.
Quando se levantaram para ir embora, acenei para Robert Dudley, o lorde Leicester, que colocava o chapéu. Ele parou e aguardou. Venha, vamos dar uma volta no jardim, convidei, ou ordenei. Quase não o vejo desde que voltou dos Países Baixos no Inverno passado. Ele sorriu e disse: claro, eu adoraria, e virou-se para me acompanhar. Voltamos ao jardim da rainha, três jardineiros trabalhavam muito ocupados, plantando ervas nos canteiros, bem curvados e concentrados na sua tarefa. Será que deveria pedir para eles saírem? Eles poderiam ouvir o conteúdo da nossa conversa e, sem dúvida, repeti-lo. Não, era melhor que ficassem. Não planeava dizer nada que não pudesse ser repetido. Parece bem, disse para começar a conversa. Entenderei isso como um elogio, mas estive doente e minha aparência estava lastimável quando retornei. Então, qualquer melhora é visível.
É verdade, comentei, fitando-o e percebendo que o seu rosto voltava a ter as cores e o semblante que os Países Baixos lhe haviam roubado. No entanto, ele ainda não parecia saudável. E nunca mais seria jovem nem bonito novamente. O tempo fora cruel com ele, a quem considerava os meus olhos, o homem que chegou a ser a criatura mais gloriosa do meu país há trinta anos. O cabelo castanho e espesso havia diminuído e agora estava grisalho; o bigode e a barba antes exuberantes, elegantes e cheios de brilho, agora eram ralos e pálidos. Os profundos olhos castanhos penetrantes agora pareciam lacrimejantes e suplicantes. Talvez não tenha sido apenas os Países Baixos que acabaram com ele, mas sim os dez anos vividos ao lado da famosa e exigente Lettice Knollys, sua esposa. Os Países Baixos foram cruéis consigo, disse. E comigo também. Pensei no quanto aquilo me custara sem que nada fosse resolvido.
Tantas mortes, tanto desperdício dos recursos do país. Ele parou no meio do nosso lento passeio pela relva e disse: sem o nosso auxílio, os espanhóis já teriam acabado com os rebeldes protestantes. Por isso, não pense que fora em vão. Às vezes penso que tudo o que fizemos foi dar aos espanhóis a oportunidade de treino em batalhas, ajudando-os a se aperfeiçoarem para nos atacar aqui. Retomamos a nossa caminhada, seguindo para o relógio de sol no meio do jardim, a peça central do ambiente. Fui o primeiro a ver o exército do duque de Parma e é realmente tudo o que dizem ser. Quer dizer, o melhor exército da Europa? Sim, eu sei disso. Mas está desfalcado por doenças e deserções como qualquer outro». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.

Cortesia de GeraçãoE/JDACT