quarta-feira, 18 de abril de 2018

O Número de Deus. José L. Corral. «… o filósofo ateniense, Platão, sustentava que o mundo fora criado a partir da geometria e do poder do número, e não pela luz»

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O Algarismo e o Número
«(…) Quando o rei Fernando cumpriu dezoito anos, a rainha Berenguela considerou chegado o momento de lhe procurar esposa. Numa assembleia de conselheiros celebrada no palácio real de Burgos, a rainha anunciou os seus planos. O meu filho, o soberano de Castela, já é um homem. E todo o homem precisa de uma esposa a seu lado; assim o diz a lei de Deus. Se esse homem, além do mais, é um rei, a sua obrigação é procurar descendência para que a sua linhagem se perpetue e proporcionar ao reino um herdeiro. Vós, nobres ricos-homens de Castela, jurastes fidelidade ao meu filho Fernando e lealdade à coroa que encarna. Chegou a altura de que o rei de Castela procure uma esposa com que ter descendência e proporcionar a Castela o seu ansiado sucessor. Os ricos-homens congregados na cúria real de Burgos assistiam calados e atentos à prédica de dona Berenguela; de vez em quando, um ou outro concordava com ligeiros acenos de cabeça com as palavras da rainha-mãe. Já haveis pensado em alguma candidata para futura rainha de Castela, Senhora?, perguntou Maurício, o bispo de Burgos.
Creio ter encontrado a candidata ideal, Sua majestade deve casar com uma princesa de sangue real, mas não pode ter relações de parentesco com ela, pois, e eu sei muito bem do que falo, um casamento desse tipo poderia ser anulado pelo papa. A candidata que elegi é a princesa Beatriz da Suávia, a filha do imperador Filipe. O seu primo e custódio, o actual imperador Frederico, está de acordo com o casamento. Haverá que ir buscar a noiva, supôs o bispo Maurício. Com efeito, senhor bispo. E para tal, pensei no homem adequado. De quem se trata? De vós, bispo Maurício. Vós haveis estudado em França, viajado pela França e pela Alemanha, e conheceis o imperador. Sois um homem equâmine e um ministro de Deus. Além disso, como bispo de Burgos, corresponder-vos-á o privilégio de celebrar o casamento. Não vos parece, Senhores? Os nobres e cidadãos assistentes à cúria concordaram de imediato. Mas, Senhora, eu..., bem, farei o que ordenais. Nesse caso, preparai a vossa viagem. Quando passar este cru Inverno, partireis para a Alemanha. Entretanto, escreveremos ao imperador Frederico para que disponha o necessário e guarde a prima com a diligência que o tutor da futura rainha de Espanha o deve fazer.
Henrique de Ruão ingressou na escola catedralícia de Chartres pouco tempo antes de cumprir os nove anos. Os bispos de Chartres haviam conseguido que a sua escola tivesse tanto prestígio como o que tinham alcançado as universidades que já funcionavam em algumas cidades europeias. Acorriam à escola de Chartres estudantes ávidos de conhecer disciplinas que só ali dispunham dos mestres adequados. Na escola estavam orgulhosos dos seus mestres, sobretudo de Bernardo, um dos fundadores, que tinha criado uma frase que os alunos aprendiam de memória no primeiro dia da sua aprendizagem: nós, os homens modernos, somos apenas anões sobre os ombros de gigantes. Esta frase resumia melhor, que nenhuma outra, o espírito docente da escola. Significava que, para compreender o homem e o mundo, era necessário apoiar-se nos ensinamentos dos grandes sábios, sobretudo dos antigos. E entre eles, o mais reconhecido e estudado era o filósofo grego Platão, e o texto oficial da escola catedralícia era a sua obra Timeo. Nesse livro, o filósofo ateniense sustentava que o mundo fora criado a partir da geometria e do poder do número, e não pela luz. Os alunos de Chartres aprendiam que a última realidade, e portanto a mais perfeita, da criação eram os números matemáticos e, em consequência, as formas geométricas que estes sugeriam; o homem apenas via as sombras da verdadeira realidade. Toda a natureza derivava de combinações numéricas e tudo era, em suma, geometria». In José Luís Corral, O Número de Deus, 2004, O Segredo das Catedrais Góticas, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.
                                                                                           
Cortesia de Planeta Editora/JDACT