domingo, 8 de abril de 2018

O Porto contra os Corsários. Amândio M. Barros. «A Baixa Idade Média assistirá à participação dos centros costeiros portugueses neste contexto geral europeu»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O alto mar abre-se definitivamente à navegação. Isto leva também a uma diminuição das escalas e das paragens mais ou menos forçadas em portos por vezes hostis e problemáticos. Embora mais célere do que o terrestre, o comércio de cabotagem era tudo menos rápido. Diminuindo-se as escalas minoravam-se problemas com autoridades locais, com o pagamento de impostos, e mesmo com a apreensão de carga quando ela era necessária no porto onde se arribava (sobretudo quando a paragem é forçada pelos elementos, estamos a lembrar-nos de casas ocorridos no Porto com navios de trigo que aqui vêm ter devido ao mau tempo e, como a cidade está sempre em dificuldades com o abastecimento desse produto, confisca-o originando assim uma série de protestos par parte dos seus donos e mesmo por parte de pessoas de importância social; um desses casos envolveu a célebre princesa Santa Joana, filha de Afonso V, que escreve de Aveiro em favor de armadores locais aqui importunados por um caso dessa natureza. Na missiva de 4 de Outubro de 1487 a senhora daquela vila referia que huum nauio chamado cadramoz, carregado de trigo da ilha da Madeira, ora com tempo nom pode auer a barra da dita minha villa E fay emtrar no Rio desa çidade O que segundo sam enformada nom lhe querees leixar trazer o dito pam e lho querees hy vender). O mercador podia começar a fazer uma previsão mais exacta dos custos da viagem pois sabia, de forma muito mais correcta e salvo alguns imprevistos, quanto tempo a jornada poderia demorar.
A Baixa Idade Média assistirá à participação dos centros costeiros portugueses neste contexto geral europeu. A meio caminho entre as zonas mais dinâmicas e economicamente avançadas da Europa, os portugueses irão beneficiar do contacto com os mercadores e marinheiros estrangeiros, italianos e flamengos sobretudo, adquirindo experiência e competências. É altura de assinalar a vitalidade dos mercadores nacionais. O seu espirito de iniciativa deve ser realçado, tanto mais que os nossos produtos, até ao seculo XVI, não se distinguem do grosso dos produtos transaccionados pelo comércio internacional. Nem o aparelho produtivo português e concorrencial. O reino não produzia lãs, cereais, matérias-primas ou produtos manufacturados em quantidade e qualidade suficientes para garantir aos seus comerciantes uma posição de força nas grandes áreas mercantis europeias.
Registem-se, contudo, algumas excepções. Como o peixe, seco e salgado, o sal e os couros que terão mercado nos povoados costeiros andaluzes, murcianos e catalães, e em alguns centros mediterrânicos como Génova, a partir de finais do século XIV, beneficiando de duas ordens de factores. Por um lado, do desenvolvimento da actividade das comunidades piscatórias nacionais e de um corpo de mercadores bem relacionado com as zonas produtivas do reino, garantindo um fluxo de mercadorias que lhes permite encher os barcos. E, por outro lado, explorando as debilidades conjunturais das áreas económicas referidas. As exigências próprias de um estado consolidado em crescimento e com um sector produtivo deficiente, motivaram o surgimento de um grupo de comerciantes e de uma frota capazes de garantirem noutras paragens os artigos em falta. Na cidade do Porto esse processo é particularmente nítido no período considerado. Sobretudo em direcção aos competitivos mercados hanseático, flamengo, bretão ou inglês. Mas também tendo como destino áreas económicas que podemos classificar como secundárias, tais como a Irlanda ou a Biscaia». In Amândio M. Barros, O Porto contra os Corsários, bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, III Serie, 2000».

Cortesia da RevistadeLetras/JDACT